sábado, 13 de abril de 2024

Será que eu tenho alma?

Por David Langness.


Vejamos se podemos tentar responder à eterna questão– “Será que eu tenho alma?” – definindo primeiro o significado da palavra. As três definições seguintes são apresentadas por ordem crescente de complexidade.

A Wikipedia define alma da seguinte forma:

Alma ou psique (Grego antigo: ψυχή psykhḗ, de ψύχειν psýkhein, “respirar”) compreende as capacidades mentais de um ser vivo: razão, carácter, sentimento, consciência, memória, percepção, pensamento, etc. uma alma pode ser mortal ou imortal.

Em contraste, o dicionário Porto-Editora define-a desta forma:

[Filosofia] entidade unificadora das faculdades psíquicas (afetividade, pensamento, memória, etc.), por oposição à materialidade do corpo; [Religião] parte imaterial e imortal do ser humano, geralmente concebida como mantendo uma identidade ao longo da sua existência e associada às manifestações da sensibilidade e do pensamento.

E por fim, temos a definição de Bahá’u’lláh, o profeta fundador da Fé Bahá’í:

Em verdade, digo, que a alma humana é, na sua essência, um dos sinais de Deus, um mistério entre os Seus mistérios. É um dos poderosos sinais do Todo-Poderoso, o mensageiro que proclama a realidade de todos os mundos de Deus. Dentro dela está oculto aquilo que o mundo é agora totalmente incapaz de perceber…

Em verdade, digo: a alma humana está elevada acima de toda a saída e todo o regresso. Está imóvel, mas eleva-se nos ares; move-se, mas está parada. É, em si, um testemunho que prova a existência, de um mundo que é contingente, assim como a realidade de um mundo que não tem princípio nem fim. (Gleanings, LXXXII)

A julgar pela definição da Wikipedia – que a alma compreende as nossas capacidades mentais – podemos responder positivamente à pergunta “Será que tenho uma alma?” com confiança. Sem dúvida, todo ser humano possui pelo menos algumas capacidades mentais e, portanto, possui uma alma.

No entanto, se passarmos para a definição do dicionário – que é mais complexa - onde se a alma como “parte imaterial e imortal do ser humano”, algumas pessoas começam a ter problemas. Se não podemos vê-lo ou tocá-lo, muitos podem perguntar: como podemos saber que ela existe? Os ensinamentos Bahá’ís abordam esta importante questão dizendo que existem dois tipos de conhecimento humano:

Um deles é o conhecimento adquirido através dos sentidos. Aquilo que os olhos, os ouvidos ou os sentidos do olfato, paladar ou tacto podem perceber é chamado de “sensível”. Por exemplo, o sol é sensível, pois pode ser visto… Estas são designadas realidades sensíveis.

O outro tipo de conhecimento humano é o das coisas inteligíveis: isto é, consiste em realidades inteligíveis que não têm forma ou lugar exterior, e que não são sensíveis. Por exemplo, o poder da mente não é sensível, nem o são nenhum dos atributos humanos: estas são realidades inteligíveis. O amor, da mesma forma, é uma realidade inteligível e não sensível. Pois os ouvidos não ouvem estas realidades, os olhos não as vêem… Da mesma forma, a própria natureza é uma realidade inteligível e não sensível; o espírito humano é uma realidade inteligível e não sensível. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised version, pp. 93-94)

Com esta explicação em mente, certamente podemos concordar que a definição de alma humana do dicionário faz sentido. Descreve algo sem forma, algo que não podemos ver ou tocar, mas que todos sabemos instintivamente que possuímos – um espírito interior que contém a nossa “parte imaterial”. O facto de termos sentimentos, pensamentos, princípios, desejos e aspirações prova que uma parte intangível de nós – o espírito interior de cada pessoa – é real.

A forma mística como Bahá’u’lláh define a alma humana vai muito além destas descrições mais simples, desafiando-nos a compreender o seu mistério. O que será que Bahá'u'lláh quis dizer, por exemplo, quando escreveu que a alma “... é um testemunho que prova a existência, de um mundo que é contingente, assim como a realidade de um mundo que não tem princípio nem fim”?

Talvez um “mundo contingente”, neste contexto, signifique aquele em que vivemos no nosso dia a dia; e “um mundo que não tem princípio nem fim” significa a realidade eterna mais vasta e ampla, para lá desta existência meramente temporal e física aqui na Terra. Assim, numa perspectiva Bahá'í, a alma humana tem uma realidade dupla, que existe tanto no mundo contingente como para lá do mundo material.

Os ensinamentos Bahá’ís dizem que uma prova dessa realidade vem do facto de todos experienciarmos a natureza dupla da alma quando sonhamos:

...esta alma humana imortal está dotada de dois meios de percepção: um é realizado através da instrumentalidade; o outro, de forma independente. Por exemplo, a alma vê através dos olhos, ouve com os ouvidos, cheira pelas narinas e agarra objetos com as mãos. Estas são as acções ou operações da alma através de instrumentos. Mas no mundo dos sonhos a alma vê quando os olhos estão fechados. O homem está aparentemente morto, jaz ali como morto; os ouvidos não ouvem, mas ele ouve. O corpo está ali, mas ele – isto é, a alma – viaja, vê, observa. Todos os instrumentos do corpo estão inativos, todas as funções são aparentemente inúteis. Apesar disso, há uma percepção imediata e vívida por parte da alma. Sente-se a alegria. A alma viaja, percebe, sente. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 416.)

Será que eu tenho uma alma? Sem dúvida, garantem-nos as Escrituras Bahá’ís. As nossas almas, de facto, ao contrário dos nossos corpos, viverão para sempre:

... o homem possui duas realidades, por assim dizer: uma realidade ligada aos sentidos que é partilhada com o animal, e outra realidade que é consciente e de carácter ideal. Esta última é a realidade colectiva e a descobridora dos mistérios… Portanto, é real, eterna e não precisa atravessar mudanças e transformações. (Abdu’l-Baha, The Promulgation of Universal Peace, p. 417)

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Texto original: Do I Have a Soul? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 6 de abril de 2024

Por que estou aqui?

Por David Langness.


Lembra-se quando, pela primeira vez, colocou a si próprio aquela questão humana universal, aquela que todos nós um dia colocamos: “Por que estou aqui?

Comigo aconteceu numa noite quente de verão, tinha eu seis anos de idade; estava deitado na relva e olhava para o céu noturno.

De repente, sem aviso, o mistério da existência humana abriu-se na minha mente de seis anos naquele verão, e comecei a questionar o seu propósito derradeiro. Todos nós fazemos isso. Cada um de nós, em vários momentos da vida, deseja saber a resposta à principal questão humana.

Essa pergunta “por que estou aqui?” pode assumir muitas formas: “O que serei quando crescer?” "Qual é o sentido da vida?" “Qual é o meu propósito nesta existência? Será que existe propósito?” “O que posso fazer pelo mundo?” “O que acontece quando morremos?

Essas questões importantes conduzem essencialmente à mesma pergunta básica: porque é que eu existo?

Não surgiu qualquer resposta científica a esta questão. E provavelmente não surgirá, porque a ciência tem uma esfera de influência definida, um âmbito limitado. A ciência ajuda-nos a descrever o mundo, e depois temos de decidir, com um código superior de ética, moral e orientação espiritual, como usar esse conhecimento. A ciência limita-se, por definição, ao conhecimento sistematizado sobre o mundo físico. Devido a esses limites, o conhecimento científico só pode nos levar até certo ponto:

Julgamentos morais, julgamentos estéticos, decisões sobre aplicações da ciência e conclusões sobre o sobrenatural estão fora do domínio da ciência, mas isso não significa que estes domínios não sejam importantes. Na verdade, domínios como a ética, a estética e a religião influenciam fundamentalmente as sociedades humanas, e a forma como essas sociedades interagem com a ciência. Esses domínios também não são pouco académicos. Na verdade, tópicos como estética, moralidade e teologia são activamente estudados por filósofos, historiadores e outros investigadores. No entanto, as questões que surgem nestes domínios geralmente não podem ser resolvidas pela ciência. (Understanding Science: How Science Really Works)

Somente os materialistas mais rigorosos acreditam que a ciência pode responder a todas as questões humanas. Acreditam que a realidade é constituída apenas por matéria e movimento. Aqueles que baseiam a sua filosofia de vida nessa perspectiva acreditam que a percepção define o que é a realidade – o que significa que todo o resto, então, deve ser falso.

É evidente que isto não é uma perspectiva científica – é um axioma filosófico, não o resultado do raciocínio científico. Como a ciência se restringe, por definição, às dimensões materiais da existência, as suas conclusões serão inevitavelmente de natureza material – o que torna uma falácia acreditar que o mundo material compreende tudo o que existe, e que os humanos só podem perceber o que os nossos sentidos externos compreender. Em vez disso, como salientam os ensinamentos Bahá’ís, os seres humanos desejam inevitavelmente perceber mais profundamente, ir além dos sentidos e transcender o mundo material:

...o homem está dotado de um poder de descoberta que o distingue do animal, e esse poder nada mais é do que o espírito humano…

O homem aspira sempre a objectivos mais sublimes e elevados. Ele procura sempre alcançar um mundo que supera aquele em que habita, e ascender a um nível superior àquele que ocupa. Este amor pela transcendência é uma das características marcantes do homem. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised version, p. 217)

A maioria das pessoas quer respostas sobre o propósito e o significado da vida – esse é o cerne da pergunta “Por que estou aqui?”. Os materialistas podem afirmar que não existe resposta, que qualquer coisa além do físico é uma fantasia, que todo significado se reduz apenas a massa e movimento. Mas essa é uma filosofia altamente insatisfatória e até sombria. Poucas pessoas querem viver com essa visão da vida – em vez disso, ansiamos por uma vida interior profunda, cheia de amor, beleza e significado. Os ensinamentos Bahá’ís apontam o caminho para essa vida interior, através do desenvolvimento espiritual da alma humana:

A alma é eterna, imortal.

Os materialistas dizem: “Onde está a alma? O que é? Não podemos vê-la, nem podemos tocá-la.”

É assim que devemos responder-lhes: por mais que o mineral progrida, ele não pode compreender o mundo vegetal. Ora, essa falta de compreensão não prova a inexistência da planta!

Por maior que seja o nível de evolução da planta, ela é incapaz de compreender o mundo animal; esta ignorância não é prova de que o animal não exista!

O animal, por muito desenvolvido que seja, não pode imaginar a inteligência do homem, nem pode compreender a natureza da sua alma. Mas, novamente, isso não prova que o homem não tenha intelecto ou alma. Apenas demonstra isto: que uma forma de existência é incapaz de compreender uma forma superior a si própria.

Esta flor pode não ter consciência de um ser como o homem, mas a realidade da sua ignorância não impede a existência da humanidade.

Da mesma forma, se os materialistas não acreditam na existência da alma, a sua descrença não prova que não existe um reino como o mundo do espírito. A própria existência da inteligência do homem prova a sua imortalidade; além disso, a escuridão prova a presença da luz, pois sem luz não haveria sombra. A pobreza prova a existência de riquezas, pois, sem riquezas, como poderíamos medir a pobreza? A ignorância prova que o conhecimento existe, pois sem conhecimento como poderia haver ignorância?

Portanto, a ideia de mortalidade pressupõe a existência da imortalidade – pois se não houvesse Vida Eterna, não haveria como medir a vida deste mundo! (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 92)

Então, por que estou aqui? Os ensinamentos Bahá’ís respondem:

... visto que [a alma humana] é um sinal de Deus, assim que é criada, torna-se eterna. O espírito humano tem um começo, mas não tem fim: dura para sempre… [é] imortal, permanente e eterno. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised version, p. 273)

O homem – o verdadeiro homem – é a alma, não o corpo; embora fisicamente o homem pertença ao reino animal, a sua alma, porém, eleva-o acima do resto da criação...

Como poder do Espírito Santo, trabalhando através da sua alma, o homem consegue perceber a realidade Divina das coisas. Todas as grandes obras de arte e da ciência são testemunhos deste poder do Espírito.

O mesmo Espírito concede Vida Eterna

Os nossos maiores esforços devem ser direcionados para o desprendimento das coisas do mundo; devemos esforçar-nos para nos tornarmos mais espirituais, mais luminosos, para seguir o conselho do Ensinamento Divino, para servir a causa da unidade e da verdadeira igualdade, para sermos misericordiosos, para refletir o amor do Altíssimo sobre todos os homens, para que a luz do Espírito se torne visível em todas as nossas acções, para que toda a humanidade se una, o seu mar tempestuoso se acalme e todas as ondas violentas desapareçam da superfície do oceano da vida, doravante sereno e pacífico. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, pp. 84-87)

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Texto original: Why Am I Here? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

HRW: Perseguição contra Bahá’ís no Irão é um “crime contra a humanidade”


Um relatório da organização Human Rights Watch (HRW) publicado hoje (01-Abril-2024) classifica as perseguições contra Bahá’ís no Irão como sendo um “crime contra a humanidade”, sugerindo que o caso se enquadra nas competências do Tribunal Penal Internacional. O mesmo relatório refere que a comunidade Bahá’í do Irão tem enfrentado um “espectro de abusos” desde a revolução islâmica de 1979

O relatório da HRW salienta que entre as perseguições sofridas pelos Bahá'ís estão a prisão arbitrária, o confisco de propriedades, as restrições às oportunidades escolares e de emprego e o direito a um funeral digno.

O impacto acumulado da repressão sistemática das autoridades ao longo de décadas é uma privação intencional e grave dos direitos fundamentais dos Bahá’ís e equivale ao crime de perseguição contra a humanidade”, afirma o relatório.

A HRW argumenta que isto se enquadra no âmbito do TPI, cujo estatuto define a perseguição como a privação intencional e grave de direitos fundamentais, contrária ao direito internacional, por motivos nacionais, religiosos ou étnicos.

As conclusões do relatório basearam-se em diversas de fontes, incluindo directivas governamentais, documentos judiciais e entrevistas com Bahá’ís dentro e fora do Irão.

Segundo a HRW, embora a intensidade das violações contra os Bahá’ís “tenha variado ao longo do tempo”, a perseguição à comunidade permaneceu constante, “tendo impacto em praticamente todos os aspectos da vida privada e pública dos Bahá’ís”.

Nos últimos anos, enquanto as autoridades iranianas reprimiam brutalmente os protestos generalizados que exigiam mudanças políticas, económicas e sociais fundamentais no país, as autoridades também visavam os Bahá’ís”, observa o relatório. “As autoridades invadiram casas de Bahá’ís, prenderam dezenas de cidadãos Bahá’ís e líderes comunitários e confiscaram propriedades pertencentes a Bahá’ís.” O Irão mantém “animosidade extrema contra os seguidores da fé Bahá’í” e a repressão da minoria está consagrada na lei iraniana e é uma política oficial do governo, afirma o relatório.

As autoridades iranianas privam os Bahá’ís dos seus direitos fundamentais em todos os aspectos das suas vidas, não devido às suas acções, mas simplesmente por pertencerem a um grupo religioso”, disse Michael Page, vice-director para o Médio Oriente da HRW. 

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Notícia completa (em inglês): Iran’s persecution of Baha’is branded ‘crime against humanity’
Notícia HRW: Iran: Persecution of Baha’is


sábado, 30 de março de 2024

Exposição "Os Caminhos da Liberdade Religiosa em Portugal"

No Parlamento português esteve aberta ao público uma exposição evocativa dos 20 Anos da Lei da Liberdade Religiosa.
Este programa mostra o contributo Bahá'í para essa exposição, e evoca os Baha'is que lutaram pela Liberdade Religiosa e recorda os que sofreram por não terem essa liberdade.
Programa de TV, emitido no dia 12-Fevereiro-2024

sábado, 23 de março de 2024

As 9 questões a que a ciência não consegue responder

Por David Langness.


No site BahaiTeachings.org já publicámos vários artigos dedicados ao princípio básico da Fé Bahá’í sobre a harmonia entre ciência e religião. Mas será que a ciência tem todas as respostas? Nem por isso.

Todo cientista responsável admite pronta e humildemente que a própria ciência não tem respostas para muitas das nossas questões mais importantes. Mas estes tempos altamente científicos, porém, levam-nos a pensar o contrário – que a ciência pode – ou um dia poderá – dar todas as respostas às grandes questões da vida.

É verdade que a ciência e a tecnologia parecem resolver muitos dos nossos problemas, ou pelo menos oferecem potenciais soluções futuras. Talvez por isso algumas pessoas transformaram a ciência na sua quase-religião, vendo-a como um sistema de crenças mais amplo, em vez de uma metodologia destinada a encontrar formas de compreender o mundo natural. Mas a ciência cria um sistema de crenças fraco, porque o cepticismo impulsiona a ciência. A ciência pede-nos que se evite qualquer juízo final ou crença forte, porque as suas conclusões estão sempre sujeitas a revisão por novas descobertas.

Assim, ao pensar nas grandes questões que a ciência não consegue responder, compilei uma lista extraída não só da minha própria curiosidade e investigação, mas também dos escritos de vários cientistas, filósofos e pensadores proeminentes. Nesta série de artigos, vamos explorar estas questões e ver se conseguimos encontrar respostas nos ensinamentos Bahá'ís que, até agora, têm escapado à ciência.

Desde o início, percebi que estas questões se enquadram em duas categorias distintas: as questões que a ciência não consegue responder, e aquelas que a ciência simplesmente ainda não respondeu. A ciência é uma ferramenta poderosa e, desde 1833 - quando a palavra “cientista” foi usada pela primeira vez - muitas pessoas duvidaram da sua capacidade de descobrir os segredos e verdades mais profundas do universo material. A maioria dessas pessoas estava errada.

No passado, a ciência aceitou de forma geral a teoria da eugenia – a ideia agora completamente desacreditada de “racismo científico”, uma teoria segundo a qual a humanidade consiste em raças superiores ou inferiores, fisicamente distintas. Esta teoria tornou-se popular não apenas entre os cientistas, mas também entre os líderes governamentais e filósofos, e levou à chamada “solução final” do nazismo e a outras atrocidades genocidas. Os campos da genética evolutiva humana e da antropologia contemporânea não só provaram que a eugenia é completamente falsa, como também forneceram um enorme conjunto de provas científicas da unidade genética de todos os grupos raciais.

Na astronomia, é claro que passámos da crença de que a Terra era o centro do universo conhecido para o modelo heliocêntrico, e depois para a crescente percepção de que o nosso pequeno planeta azul não tem absolutamente nenhum direito de singularidade ou unicidade. Num outro caso conhecido, Albert Einstein, que originalmente acreditava num universo estático e escreveu artigos científicos tentando provar a sua afirmação, teve de ser convencido de que o universo se encontra em expansão pelo cientista Edwin Hubble. Einstein descreveu a sua conclusão inicial como “o maior erro” de toda a sua carreira científica.

Apesar do seu historial de conclusões incorretas, a ciência domina o pensamento moderno – e assim deve ser. Construímos uma civilização e um corpo de conhecimentos sem precedentes, e devemos muito disso aos avanços que se tornaram possíveis com a ciência. Na verdade, o princípio Bahá’í de concordância entre ciência e religião privilegia a ciência em detrimento da fé cega, do dogma e da tradição religiosa. As Escrituras Bahá’ís dizem: “Não há contradição entre a verdadeira religião e a ciência. Quando uma religião se opõe à ciência, torna-se mera superstição: o que é contrário ao conhecimento é a ignorância. Como pode um homem acreditar ser um facto aquilo que a ciência provou ser impossível? Se ele acredita apesar da sua razão, é mais uma superstição ignorante do que fé. Os verdadeiros princípios de todas as religiões estão em conformidade com os ensinamentos da ciência.”

As Escrituras Bahá'ís também dizem que “… a religião e a ciência estão em completa concordância. Toda religião que não está de acordo com a ciência estabelecida é superstição. A religião deve ser racional. Se não se enquadra na razão, então é superstição e não tem fundamento.

Na internet podemos encontrar literalmente centenas de listas de perguntas a que a ciência ainda não respondeu – o que é energia escura, porque é que os gatos ronronam, como é que a gravidade funciona, porque é que as bicicletas permanecem em pé, quanto tempo vive um protão, etc. Revi estas questões, e tentei separar estas questões ainda sem resposta sobre a nossa existência física de outras questões ainda maiores – aquelas que a ciência provavelmente nunca conseguirá responder, porque a natureza da própria questão ultrapassa os limites da investigação científica. A minha lista, então, tenta separar o puramente físico daquilo que é metafísico ou espiritual, e foca-se nas grandes questões:

1. Porque estou aqui?
2. Eu tenho alma?
3. Qual é o meu propósito?
4. O universo teve um início?
5. O universo tem limites?
6. Porque é que as coisas existem?
7. Existe Deus?
8. A humanidade precisa de religião?
9. Como devo viver?

Portanto, vamos analisar estas questões profundas, uma por uma, nesta série de artigos, e decidir se podemos encontrar a “concordância completa” entre religião e ciência que os ensinamentos Bahá’ís prometem.

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Texto original: 9 Big Questions Science Alone Can’t Answer (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

terça-feira, 19 de março de 2024

Naw-Ruz: um Novo Dia, um Novo Ano!


Feliz Ano Novo! Não, não estamos três meses atrasados – porque estamos no equinócio vernal, e há muitas pessoas em todo o planeta celebram o Dia de Ano Novo, incluindo os Bahá’ís.

Você já ouviu falar do Naw-Ruz? Significa “novo dia” em persa, e múltiplas regiões e religiões celebram-no como um dia sagrado, incluindo os zoroastrianos, muitos muçulmanos e todos os Bahá’ís.

O Naw-Ruz - observado em todo o mundo há mais de três mil anos - ocorre quando o Sol cruza o equador celeste e o dia e a noite têm uma duração igual. É o momento em que a primavera começa no Hemisfério Norte.

Como a maioria dos dias santos felizes, a celebração do Ano Novo Bahá’í geralmente inclui cânticos, comida, dança e socialização. Nas comunidades Bahá’ís, reúne-se um grupo caloroso, diversificado e fascinante de pessoas para celebrar, divertir-se, desfrutar da companhia uns dos outros, e acolher com alegria as possibilidades emocionantes e ilimitadas de um novo ano. Se visitar hoje a sua comunidade Bahá’í local, é provável que encontre uma festa.

Mas o Naw-Ruz também representa algo muito mais importante do que celebrar o início de mais um novo ano: simboliza o advento e a chegada de uma revelação inteiramente nova:

A Revelação que, desde os tempos imemoriais, tem sido aclamada como o Propósito e a Promessa de todos os Profetas de Deus, e o Desejo mais acalentado dos Seus Mensageiros, foi agora revelada aos homens, em virtude da Vontade universal do Omnipotente e da Sua ordem irresistível. O advento dessa Revelação foi anunciado em todas as Escrituras Sagradas. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, III)

Os ensinamentos Bahá’ís explicam que Naw-Ruz representa “o Dia de Deus”, quando ocorre um novo despertar do espírito, surge uma primavera espiritual, e a luz de uma nova revelação brilha igualmente sobre a totalidade da criação de Deus:

É o Ano Novo – isto é, a perfeição do ciclo anual. Um ano é a expressão de um ciclo (do sol). Mas agora é o início de um ciclo de Realidade, um Novo Ciclo, uma Nova Era, um Novo Século, um Novo Tempo e um Novo Ano. Portanto, é muito abençoado.

O nascer do sol no equinócio é o símbolo da vida, e da mesma forma é o símbolo dos Manifestantes Divinos de Deus, pois o nascer do Sol da Verdade no Céu da Generosidade Divina estabeleceu o sinal da Vida para o mundo. A realidade humana começa a viver, os nossos pensamentos são transformados e a nossa inteligência é despertada. O Sol da Verdade concede a vida eterna, assim como o sol solar é a causa da vida terrestre.

Este tempo é a Era Prometida... Em breve o mundo inteiro, como na primavera, mudará de vestes... O Ano Novo apareceu e a primavera espiritual está próxima. (‘Abdu’l-Baha, Star of the West, Volume 9, p. 345)

Os Bahá'ís acreditam que o advento dos mensageiros gémeos que fundaram a Fé Bahá’í – o Báb e Bahá’u’lláh – inaugurou uma nova era. Desde então, o poder espiritual, o conhecimento profundo e os ideais impactantes dos ensinamentos Bahá'ís espalharam-se por todo o mundo. Esses ideais, infundidos de amor, compaixão e unidade, estão agora despertando um novo espírito de vida:

... a antiga primavera voltou; o mundo ressuscita, ilumina-se e alcança a espiritualidade; a religião renova-se e reorganiza-se, os corações voltam-se para Deus, o chamamento de Deus é escutado, e a vida é novamente concedida ao homem. Durante muito tempo o mundo religioso esteve enfraquecido e o materialismo avançou; as forças espirituais da vida estavam enfraquecidas, a moral tinha-se degradado, a tranquilidade e a paz tinham desaparecido das almas, e as qualidades satânicas dominavam os corações; a luta e o ódio ensombravam a humanidade, o derramamento de sangue e a violência prevaleciam. Deus fora negligenciado; o Sol da Realidade parecia ter desaparecido completamente; a privação das graças do céu era um facto; e assim a estação do inverno caiu sobre a humanidade. Mas na generosidade de Deus uma nova primavera amanheceu, as luzes de Deus brilharam, o resplandecente Sol da Realidade regressou e tornou-se manifesto, o reino dos pensamentos e o reino dos corações tornou-se exultante, um novo espírito de vida soprou no corpo do mundo, e o progresso contínuo tornou-se evidente. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 94)

Assim, o Naw-Ruz, um dos dias mais felizes de todo o ano Bahá’í, celebra não apenas o Ano Novo, mas uma era inteiramente nova na evolução humana. Temos agora a capacidade, o poder e a orientação espiritual - prometem-nos os ensinamentos Bahá'ís - para unir a humanidade e acabar com os flagelos da guerra, da fome e da miséria.

Assim, para os Bahá'ís, o Naw-Ruz não é apenas uma festa – serve como uma lembrança profunda da unidade de todos os mensageiros de Deus, da primavera espiritual que cada um deles trouxe à humanidade, e da alegre chegada do mais recente.

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Texto original: Naw-Ruz: It’s a New Day, and a New Year! (www.bahaiteachings.org)


segunda-feira, 18 de março de 2024

Os Muitos Significados do Ano Novo Baha’i (Naw-Ruz)

Por Sanaz Khosravi.


Tendo crescido no Irão e sendo Bahá’í, o Naw-Ruz foi sempre a celebração mais significativa do ano para a minha família – por várias razões.

Todos os anos, alguns meses antes desta celebração especial, eu ficava entusiasmada para ir às compras com os meus pais para comprar roupas novas que pudesse usar no dia de Naw-Ruz. Também adorava preparar a nossa mesa Haft-Sin – uma tradição persa que envolve sete símbolos da vida – e, talvez sem surpresa, fiquei emocionada por não ter escola ou trabalhos de casa durante duas semanas. Famílias de todo o país juntavam-se às festividades, muitas vezes visitando os seus familiares e parentes mais velhos, e esquecendo-se de qualquer desavença do ano passado, para restaurar as suas relações e amizades.

Quando eu era criança, o Naw-Ruz significava principalmente pintar os ovos para o Haft-Sin e receber presentes dos meus avós. No entanto, ao ficar mais velha, compreendi que o Naw-Ruz está enraizado na tradição zoroastriana e é celebrado não só pelos iranianos, mas também por muitas outras etnias, e noutros países do Médio Oriente e da Ásia Central.

Aprendi também que o Naw-Ruz não é apenas um feriado de enorme significado cultural para alguns povos, mas também contém um grande significado religioso para os Bahá'ís, que o consideram um dia sagrado que assinala o início de cada novo ano, de acordo com o calendário Bahá'í. Por esta razão, o Naw-Ruz é observado de forma consistente e alegre pelos Bahá’ís em todo o mundo, como uma grande e festiva celebração religiosa que contém muitos níveis de significado e, portanto, muitas coisas para celebrar.

Talvez o significado mais óbvio do Naw-Ruz seja o início de um novo ano. Antes da chegada de cada Naw-Ruz, a minha família encontra momentos para reflectir sobre o ano que está a chegar ao fim e sobre aquele que está prestes a começar. Reflectimos sobre o que poderíamos ter feito para melhorar a qualidade das nossas vidas e quais planos e decisões que deveríamos tomar no futuro. Esta reflexão é facilitada pelo facto de o Naw-Ruz ser precedido pelo Jejum Bahá'í de 19 dias, no qual os Bahá'ís de todo o mundo revêem e meditam sobre o ano que passou, e esforçam-se por melhorar as suas qualidades e virtudes espirituais, tais como a paciência, o desprendimento e a firmeza. Durante o Jejum, os Bahá'ís acordam de manhã cedo para beber e comer antes do nascer do sol, e a minha família aproveita o tempo extra que isso proporciona para recitarmos orações juntos, desenvolvermos conversas espirituais, estudar as palavras de Deus, reflectir sobre o ano passado e estabelecer objectivos e planos para o ano seguinte.

Outro significado do Naw-Ruz, que também aprecio, é a sua coincidência com o primeiro dia de primavera no hemisfério norte. O meu espírito delicia-se com a maneira como tudo na natureza ganha uma nova vida e se revigora neste momento: as árvores desenvolvem-se, as flores desabrocham e as ervas voltam a crescer, tornando os campos verdes.

Além disso, para os Bahá'ís, as mudanças físicas, o crescimento e a novidade da primavera são símbolos de renovação espiritual:

O Ano Novo chegou e a primavera espiritual está próxima. (Tablets of Abdu’l-Baha Abbas, p. 318)

O que significa “primavera espiritual”? Considerando que a primavera é a época do ano em que todas as coisas se renovam, renascem e regeneram, os ensinamentos Bahá'ís usam-na como uma metáfora para a forma como Deus envia os Seus mensageiros e profetas à humanidade em todas as eras, sempre que uma renovação espiritual é necessária. Estes profetas expressam, em cada época, os ensinamentos espirituais intemporais das religiões do mundo (que muitas vezes foram esquecidos), enquanto fornecem novos ensinamentos divinos que permitem à humanidade progredir para a próxima fase da sua evolução social e espiritual. Tal como o sol faz renascer toda a vida material na primavera, estes mensageiros divinos fazem renascer a vida espiritual da humanidade.

Ó amigos! Incumbe-vos refrescar e reavivar as vossas almas com os graciosos favores que nesta Divina e comovente Primavera estão a ser derramados sobre vós. A Estrela Matinal da Sua grande glória derramou o seu brilho sobre vós, e as nuvens da Sua graça ilimitada cobriram-vos. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, p. 94)

Assim, para os Bahá’ís, o Naw-Ruz comemora não apenas o ano novo e as alegrias da primavera, mas também a alegria de ter recebido a nova mensagem de Deus para a humanidade neste momento da sua história e desenvolvimento. 'Abdu'l-Bahá escreveu:

Desejo que esta bênção suja e se manifeste nos rostos e nas características dos crentes, para que também eles se tornem um novo povo e, tendo encontrado uma nova vida e sido baptizados com fogo e espírito, possam fazer do mundo um novo mundo, para que a velha terra desapareça e a nova terra surja; que as velhas ideias se afastem e novos pensamentos surjam; que as velhas roupas sejam rejeitadas e roupas novas sejam usadas; que a política antiga, cujo fundamento é a guerra, seja abandonada, e a política moderna, baseada na paz, eleve o padrão da vitória; que a nova estrela brilhe e resplandeça e o novo sol ilumine e irradie; que as novas flores desabrochem, a nova primavera se torna conhecida; que a nova brisa sopre; que a nova dádiva seja transmitida; que a nova árvore dê novos frutos; que a nova voz se eleve e este novo som chegue aos ouvidos, que o novo suceda ao novo, e todos os adornos e decorações antigas serão postos de lado, e novas decorações colocadas nos seus lugares. (Tablets of Abdu’l-Baha Abbas, p. 38)

Neste espírito, o Naw-Ruz é uma ocasião perfeita para contemplar como podemos lutar, dia após dia, para crescer espiritualmente, servir a humanidade e esforçar-nos por melhorar o mundo.

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Texto original: The Many Meanings of the Baha’i New Year (Naw-Ruz) (www.bahaiteachings.org)


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Sanaz Khosravi é engenheira de software com bacharelato em ciência da computação pelo BIHE (Baha’i Institute for Higher Education) e Mestrado em engenharia de software pela San Jose State University. Sanaz nasceu e cresceu em uma família Bahá'í em Shiraz, no Irão, e mais tarde mudou-se para os EUA. Tem experiência em actividades comunitárias e trabalho com populações carentes. Sanaz trabalhou em vários projetos de tecnologia, como o Baha’i Daily. Actualmente trabalha como engenheira de software, ensina alunos do BIHE diversas disciplinas de ciência da computação; também escreve e faz traduções no seu tempo livre